Sou daqueles que gosta de dar o benefício da dúvida. Ainda há dias proclamei, noutro espaço, a minha disponibilidade para acreditar nas pessoas. Porém, tem dias em que já não dá para acreditar em nada nem em ninguém. Sei que este sentimento negativo não abona a favor de nada e, pior que tudo, transforma todos em "suspeitos", mesmo aqueles que não têm qualquer intenção de prejudicar ninguém. Enfim, não me orgulho deste sentimento que por vezes tenho, mas a verdade é que ele, volta e meia, assola-me.


Vem isto a propósito das declarações de Nuno Crato – pessoa que já me mereceu credibilidade e que até elogiei publicamente depois de ler o seu livro "O Eduquês em discurso directo" – relativas à greve dos professores... "É preciso sublinhar que é uma greve prejudicial aos alunos, que devem estar no centro das nossas preocupações. Todos perdemos com esta greve: alunos, pais e País". Estas declarações são, aliás, similares a outras já produzidas por outras personalidades, nomeadamente por Paulo Portas e por Cavaco Silva, mas esses eu não levo a sério há bastante tempo.

Deixem-me que vos diga que esta é, para mim, conversa de chacha ou, se quisermos render homenagem ao António Feio, "da treta". Todos enchem a boca com os interesses dos alunos – e, por maioria de razão, no investimento em capital humano do país – mas a verdade é que, quando se trata de defender efectiva e genuinamente um ensino de qualidade, as práticas que se preconizam são diametralmente opostas a tal desiderato.
Com alguns exemplos vou demonstrar – ou, pelo menos, tentar – aquilo que acabei de afirmar:

  • Imagine que lhe pedem um pequeno discurso de 15 minutos numa qualquer colectividade... quanto tempo leva a prepará-lo? (Pense bem antes de responder até porque tem auto-estima e amor-próprio suficientes para não querer fazer má figura.) Acha que leva mais tempo a preparar a sua oratória que o tempo que leva a proferi-la? Se a resposta foi "sim", então essa foi a resposta correcta.
  • Imagine agora que trabalha numa fábrica. A linha de fabrico tem um ciclo de, digamos, 50 minutos, findo o qual você é obrigado a uma "pausa técnica" de 10 minutos, seja para substituir moldes, seja para ajustar equipamentos, seja tão-somente para lhe permitir ganhar fôlego pelo facto de ter estado a trabalhar a um ritmo intenso que seria impossível manter sem essa paragem. Imagine agora que o "patrão" não considera essa pausa como tempo de trabalho efectivo e de apesar de ter passado o dia inteiro no local de trabalho lhe contam apenas 2/3 desse período. Você ia achar justo? Pense bem, olhe que você esteve à boa-vida quando não trabalhou porque não lhe era possível fazê-lo mesmo que quisesse ou fosse capaz.
  • Imagine agora que o Código do Trabalho estabelece a obrigatoriedade da entidade empregadora lhe assegurar a necessária formação para garantir a reciclagem e consolidação de conhecimentos que lhe permitam um bom desempenho profissional. Imagine agora que a sua entidade patronal para além de não pagar a formação a que está obrigada, lhe exige que (1) você a tenha, que (2) você a pague do seu bolso e que (3) terá de descontar tempo das férias para a realizar porque não lhe dá dispensa. Você vai sentir-se estimado, não vai?
  • Agora não quero que imagine, pretendo apenas que recorde uma das festas de aniversário de um dos seus filhos ou filhas quando eles eram pequenos. Já está lembrado? Lembra-se que a partir de dada altura "jurou para nunca mais"?
  • Lembre-se agora do período em que os seus filhos evidenciaram "comportamentos estranhos", fosse porque não comiam porque estavam gordos, fosse porque quiseram fazer tatuagens ou colocar piercings, fosse porque queriam tomar "bombas" para ganhar músculo, fosse porque começaram a vestir-se e a pentear-se de forma estranha, fosse ainda porque começaram a pôr em causa as regras lá de casa e, por isto e por aquilo, armavam uma discussão... Lembra-se? Pois, nós sabemos que esse período não foi fácil até porque não só passámos mais tempo com os vossos filhos que a maioria de vós, como se isso não bastasse lidámos com mais de 20 casos desses em simultâneo, numa experiência renovada de hora a hora.
  • Recorde agora, finalmente, o seu tempo de estudante. Das duas, uma: ou você foi um estudante aplicado e percebeu que as pausas lectivas foram fundamentalmente para si – e não para os professores que, ao contrário do que alguns pensam, continuam a trabalhar durante boa parte desse tempo – ou você foi um daqueles cábulas incorrigíveis que só não dormia nas aulas porque não o deixavam. Se você está neste último grupo, então seria bom que tivesse a coragem de reconhecer que não tem autoridade para dizer mal dos seus colegas que não se "baldaram", que trabalharam enquanto você escolheu o caminho mais fácil, fosse através das cábulas que o caracterizaram fosse através da reclamação de "positivas" mesmo sabendo que não as merecia... atenção: alguns dos seus colegas que trabalharam hoje são professores e os que não o são... respeitam-nos, em alguns casos, chegam mesmo a sentir uma dívida de gratidão por quem os ajudou a crescer em todos os sentidos.

No fim disto tudo só lhe digo: tenha respeito pelos professores que gostariam de trabalhar apenas 40 horas por semana! Enquanto você está a beber uma bejeca há professores que continuaram a trabalhar depois do seu dia de trabalho. E não tenha dúvidas: fizeram-no pelo mais puro dos egoísmos... veja bem que, apesar de tudo, a maioria deles teve prazer em que os seus filhos aprendessem e se tornassem cidadãos de corpo inteiro.